quarta-feira, 30 de junho de 2010

Filosofia da História da Astrologia

(Parte 1)

O objetivo desse trabalho é pesquisar e praticar o ato reflexivo e crítico de filosofar, tomando o pensamento e o conhecimento astrológico como fonte de inspiração, para a análise de temas existenciais e metafísicos de alcance variado[1]. Parte do trabalho terá como inspiração o método historiográfico.
Para tanto alguns conceitos preliminares precisam ser definidos e algumas premissas explicitadas.
Para Jenny Teichman e Katherine C. Evans[2], a Filosofia é o estudo de problemas fundamentais, abstratos e muito gerais que dizem respeito (1) à natureza da existência, (2) do conhecimento, (3) da moralidade, (4) da razão e (5) do propósito humano.
Os ramos acadêmicos da Filosofia são:

Metafísica;
Ética;
Filosofia Política;
Filosofia da Ciência e
Lógica (entre outros).

Alexandre Caballero[3] afirma que a Filosofia é a ciência do “por-trás-das-coisas”[4] e das analogias ônticas[5].
Segundo Caballero,

O homem nunca se satisfaz só com as respostas imediatas e experimentais; sempre teve necessidade de ir “além disso”. Ele sabe que existe esse “além disso” e nada poderá impedi-lo de procurar compreender melhor sempre esse além. Quando as outras ciências param, cabe à Filosofia o ônus de continuar adiante na procura da verdade[6].

Para Caballero[7] a Filosofia não é uma ciência, no sentido de “conclusão ou conjunto de conclusões de processos experimentais”, mas pode ser considerada como ciência se essa palavra dizer respeito a “conhecimento certo ou conjunto organizado de conhecimentos certos”[8].
Como ciência do “por-trás-das-coisas”, a Filosofia é um saber do “transcendente”, do “mais além”. Segundo Caballero,

A Filosofia é eminentemente uma ciência metafísica no sentido mais pleno da palavra. Ela vem após e vai além das ciências físicas ou experimentais, muito embora possa ter e tenha na experiência, principalmente na experiência científica, seus principais alicerces ou pontos de partida[9].

A palavra grega “meta” significa “após” e Metafísica quer dizer “o que vem depois da Física”, da materialidade.
A Metafísica surgiu de alguns tratados escritos por Aristóteles sobre a natureza do ser, a natureza da causalidade (do vir a ser) e a natureza do conhecimento. Essa “primeira filosofia” ou Metafísica, pode ser definida como algo composto de (1) ontologia – que é o estudo da natureza da existência e do “vir a ser” – em conjunto com a (2) epistemologia – que é a teoria do conhecimento.
Mas, a Metafísica também indaga sobre a mente, a alma, Deus, tempo, espaço e livre-arbítrio. Por isso, em resumo, a Metafísica é a ciência ou estudo do Ser e do Saber[10].
Para Paulo Duboc, a Astrologia é um saber que encerra uma metafísica, e considerações de ordem filosófica, religiosa, moral, estética e científica, bem como uma corrente de valores empíricos[11].
Citando Dane Rudhyar, Duboc define a Astrologia como uma técnica de “simbolização e prognósticos” na qual algumas categorias de dados astronômicos são utilizados como indicadores fundamentais.
Astrólogos brasileiros de prestígio, como Olavo de Carvalho ou Antônio Carlos Harres, segundo consta na Declaração Brasileira de Astrologia[12] definem “Astrologia” como “toda abordagem e estudo sistemático das relações naturais ou transcendentais entre a vida humana e terrestre e o ambiente cósmico”.
Nesse conceito a Astrologia é considerada uma disciplina integrativa: (1) científica nos seus fundamentos materiais e nos seus processos de verificação; (2) artística na elaboração das sínteses interpretativas; (3) filosófica no seu espírito e na formulação da sua metodologia e (4) transcendental em sua finalidade última e na sua simbologia básica.
Tomando o aspecto filosófico e transcendental da Astrologia, diversos autores apontam o papel significativo que a Astrologia pode ter na compreensão e solução da crise de valores do mundo (pós-)Moderno. Assim, consta na Declaração Brasileira de Astrologia, o seguinte parágrafo:

Consideremos que, face a uma época, que agora finda, marcada pela fragmentação do conhecimento e, portanto, pelo esfacelamento da personalidade humana, o renascimento da Astrologia – disciplina integrativa por excelência, que restabelece os liames entre o indivíduo empírico e a realidade do seu destino cósmico, desde o nível natural até o transcendental – acompanha a tendência, hoje incoercível, à reunificação do conhecimento em todas as áreas e constitui, com ela, uma promessa de reconstrução da integridade do espírito humano e o prenúncio de uma era onde se reconstituam os liames orgânicos entre vida e arte, religião e saber, indivíduo e coletividade[13].

Elizabeth Teissier, já apontava reflexão semelhante ao argumentar que a “Astrologia fornece uma cosmogonia completa ao homem do século XX” [14] (e século XXI, também, na minha opinião).
Segundo Teissier,

... é uma cosmogonia completa o que a Astrologia oferece ao homem do século XX, sedento de absoluto e de unidade (...) não uma cosmogonia totalitária e dogmática, tal como a que, construída sobre a escolástica, oferecia à astrologia da Idade Média (...)
Numa altura destas, em que as diversas ideologias evidenciam demasiado as suas fraquezas e lacunas, em que as religiões tradicionais parecem desembocar numa inadequação em relação aos problemas do nosso tempo, em que as sociedades tecnológicas e as civilizações industriais endeusam o homem animal e esquecem o homem espiritual, o mundo de hoje aspira de novo a uma concepção harmoniosa e sintética do Universo[15].

Segundo a autora, a Astrologia é uma solução para o problema da falta de um sistema filosófico globalista, e para o qual deveríamos reconhecer seu legítimo valor epistemológico.
Nesse sentido, a Astrologia encerra implicitamente uma Filosofia (ou conceito/concepção de filosofia) enquanto (1) cosmovisão de mundo, (2) sabedoria de vida e (3) esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido.
É interessante notar que no meio acadêmico formal, estas concepções de Filosofia já foram criticadas (e rejeitadas), por exemplo, por Marilena Chauí. Essa autora prefere definir a Filosofia como “Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas”, logo, como um saber que se ocupa, cada vez mais, com as condições e os princípios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro. Porém, como a autora mesma assume, a Filosofia não abandona “as questões sobre a essência da realidade”[16].
Pessoalmente considero que essa “busca da essência”, seja o ponto crucial e basilar que define e/ou unifica todas as reflexões e diferentes opiniões do metaconceito de Filosofia.
Para mim a Filosofia é a busca da essência de todos os conceitos, métodos, e da própria realidade. Essa “essência” é o que ao mesmo tempo “fundamenta” os conhecimentos e práticas (apontadas na definição de Chauí). Esse ponto, na minha opinião, retoma e unifica todas as concepções por ela criticadas (e rejeitadas).
Filosofar é a arte de fazer filosofia, é a própria atividade filosófica em si. Essa é descrita por Chauí, como:

1o) Análise;
2o) Reflexão;
3o) Crítica (Questionamento).

Essas três atividades são orientadas pela elaboração filosófica de significações gerais sobre a realidade e os seres humanos. Podem ser caracterizadas da seguinte maneira:

I) Análise: das condições do conhecimento – ciência, arte, religião, moral;
II) Reflexão: volta da consciência para si mesma para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o sentimento e a ação[17];
III) Crítica: questionamento das ilusões e dos preconceitos individuais e coletivos, das teorias e práticas científicas, políticas e artísticas.

A atitude filosófica ou o “filosofar” pergunta “o que”, “como” e “por que” a coisa, idéia ou valor, é, funciona e existe, como tal. Assim, além de análise, reflexão e crítica, a Filosofia é a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas múltiplas formas indagando o que são, qual sua permanência e qual a necessidade interna que as transforma em outras[18].
É, modernamente, a disciplina ou área de estudos que envolve a (1) investigação, (2) argumentação, (3) análise, (4) discussão, (5) formação e reflexão das idéias sobre o mundo, o homem e o ser. A Filosofia originou-se de uma inquietude em questionar o senso comum, opondo-se a seus preconceitos e aceitação tácita de seus juízos apriorísticos, bem como pela curiosidade humana natural.
Uma dúvida filosófica não é o mesmo que uma dúvida comum, trivial. A dúvida filosófica surge quando começamos a refletir sobre como sabemos o que supomos saber[19].
Essa primeira discussão metafilosófica é necessária para retormarmos o projeto ptolomaico do século II d. C., que compreendia a Astrologia como uma forma de conhecimento filosófico racional[20].
São muitas as discussões sobre a (difícil) delimitação e elaboração de uma definição de Filosofia e de seu objeto específico. Definir a Filosofia é realizar uma tarefa metafilosófica , ou em outras palavras, fazer uma filosofia da filosofia. O paradoxo é que a sua definição já exige uma filosofia (ou um “filosofar à priori”)[21].
Para Ptolomeu (séc. II d.C.) a Astrologia é um conhecimento de tipo filosófico, com base racional[22].
Assim, podemos levantar a hipótese de que a atitude filosófica típica do Filósofo (e que de certa forma, encontramos também, num certo contexto com limites, no Psicólogo), é compatível de ser encontrada no Astrólogo, mesmo porque, como afirma Caballero, “... o homem não existe para filosofar, mas filosofa pelo fato de existir como homem. A Filosofia é, assim, a ciência mais humana e também mais humanizante”[23]. Esse conjunto de idéias aproxima a Astrologia da Filosofia e da Psicologia, sem reduzir uma à outra, e sem anular a independência dos seus campos de investigação, promovendo somente uma troca dialética, um diálogo.
A partir desse quadro de referências, sustentamos a proposta de uma abordagem histórico-filosófica da reflexão astrológica, i.e., uma Filosofia da História da Astrologia. Nesse ponto, começaremos com o pensamento grego.

A FILOSOFIA GREGA E A ASTROLOGIA

Segundo Peter Marshall, “várias crenças astrológicas ocidentais, especialmente a respeito da natureza do cosmos, podem ser investigadas até chegar aos filósofos gregos"[24].
Lembrando que existem 4 grandes Escolas de Astrologia:

Astrologia Chinesa;
Astrologia Indiana;
Astrologia do Oriente Médio; e
Astrologia Ocidental (que segundo alguns astrólogos se subdivide em Astrologia Antiga, Tradicional ou Clássica e Astrologia Moderna).

Podemos situar as origens históricas e epistemológicas da Astrologia Ocidental na Filosofia Grega, o que demanda uma compreensão mais profunda desse saber.
Histórica e tradicionalmente, a filosofia se inicia com Tales de Mileto, séc. VI a.C. Ele foi o primeiro dos filósofos pré-socráticos a buscarem explicações de todas as coisas através de um princípio ou origem causal (arché) diferentemente do que os mitos antes mostravam.
Nas explicações míticas, o explicador é tão desconhecido quanto a coisa explicada. Por exemplo, se a causa de uma doença é a “ira divina”, explicar a doença por essa não nos ajuda muito a entender o porque daquela. Assim, a Filosofia Antiga nasceu de uma necessidade de explicar o mundo a partir de uma cosmovisão (mais) racional e realista, prescindindo de explicações mitológicas incompreensíveis ou incognoscíveis.
Os filósofos pré-socráticos foram os primeiros a fazerem esse movimento tendo como foco a especulação sobre problemas cosmológicos ou cosmo-ontológicos. Suas reflexões buscavam o princípio (ou arché) das coisas. Eram também chamados de “Naturalistas” ou “Filósofos da Physis”[25].
Os Pré-Socráticos formaram algumas “Escolas” ou tendências, entre elas:

1. Escola Jônica;
2. Escola Italiana;
3. Escola da Pluralidade (ou Pluralista) – 2a fase do pensamento pré-socrático[26];

A Escola Jônica caracteriza-se sobretudo pelo interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza, enquanto a Escola Italiana focou-se numa visão de mundo mais abstrata, menos voltada para uma explicação naturalista da realidade, prenunciando em certo sentido o surgimento da lógica e da metafísica, sobretudo no que diz respeito aos eleatas.
Enquanto a Escola Jônica de filosofia tendia a ser materialista e mecânica, a colônia grega no Sul da Itália, em Eléia, formava um grupo bem mais místico de filósofos. Segundo Marshall, a diferença entre as suas visões “científica” e “intuitiva” dos céus ainda divide os astrólogos de hoje[27].
Essa dicotomia é reeditada na abordagem idealista (místico-intuitiva) de Platão e no materialismo imanente (científico) de Aristóteles reverberando por todas as linhas do conhecimento até hoje, incluindo a Astrologia. Numa visão junguiana moderna essa dicotomia tem origem, segundo se supõe, em diferenças de temperamento daqueles que defendem um lado ou outro da questão, incluindo os próprios criadores de tais posições.
Seja como for, voltando aos pré-socráticos, os milésios da Escola Jônica, como Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes (também de Mileto), apresentaram o problema do movimento e suas primeiras soluções.
Tales acreditava que as coisas têm, por trás de si, um princípio físico (physis), material, chamado arqué. Para ele, o arqué seria a água. Anaximandro de Mileto, contemporâneo de Tales (no século VI a.C., aproximadamente) considerou a physis como sendo o apeiron, um princípio ilimitado e indeterminado. Já Anaxímenes pensava que a origem de todas as coisas seria o ar ou o vapor (pneuma). Para Xenófanes, o elemento primordial é a terra, enquanto Heráclito achava que seria o fogo.
Assim, os filósofos naturalistas acreditavam na existência de uma substância básica única, que seria a origem de todas as coisas. Mas, isso deixava sem solução o problema da mudança: como poderia uma substância se transformar repentinamente em outra coisa?
Por volta de 500 a.C., um grupo de filósofos (mais “místicos”) começaram a se interessar por esse ponto do debate. Eram um grupo da colônia grega de Eléia, no sul da Itália, chamados de Eleatas (pertencentes, portanto, à Escola Italiana) .
Enfatizando a importância do Ser, os eleanos ou eleatas acreditavam que a mudança física era ilusória, defendendo que o Universo era uma unidade criada e guiada por uma única inteligência, um deus único (monoteísmo).
Parmênides de Eléia, no século V a.C. propunha que a despeito das mudanças aparentes da matéria, nada realmente muda. Ele foi o fundador da escola Eleática e defendia que não podemos confiar em nossas percepções sensoriais, mas sim na razão, faculdade pela qual ele deduzia sobre a imutabilidade essencial do mundo. Ele foi o primeiro a propor um dualismo sistemático de aparência e realidade[28], e se opunha aos milésios e, principalmente, a Heráclito.
Heráclito de Éfeso, na Ásia Menor, propôs que a matéria básica do Universo seria o fogo, e a mudança constante (o fluxo) seria o fundamento da natureza. Para ele, tudo muda, todas as coisas fluem, e “não entramos duas vezes no mesmo rio”. Heráclito acreditava mais na percepção, ao contrário de Parmênides, que se lhe opunha.
Esses primeiros pensadores gregos podem ter lançado os fundamentos da Astrologia (e da Astronomia) Ocidental.
Tales chegou a prever um eclipse, cuja interpretação astrológica ajudou a evitar uma guerra entre os medas (sudoeste do Mar Cáspio) e os lídios (Ásia Menor, atual Turquia), por volta de 585 a.C[29]. Segundo Heródoto, esse seria um eclipse do Sol. Ainda, para provar o valor do seu saber, Tales teria aplicado seu conhecimento dos astros para prever uma boa colheita de azeitonas. Assim, ele comprou todas as prensas de azeitona locais e lucrou alugando-as aos plantadores para atender à demanda[30].
Anaximandro, cerca de 610 a.C. , alegou que os planetas viajavam em esferas separadas (suas órbitas) que constituíam o céu. Essa visão astrológica subsistiu até a Revolução Científica do século XVIII, e teve como colorário a noção de “recorrência eterna” que viria a se tornar um conceito-chave (ciclicidade) na Astrologia Ocidental.
Anaxímenes, por sua vez, considerava as estrelas como objetos fixos num céu “de fundo” que girava em torno da Terra. O “céu inteiro” girava, não as estrelas, que ficavam “penduradas” nesse “telhado” do céu. Essa crença também se manteve até o século XVII, e o telhado do céu seria formado por esferas cristalinas (já citadas por Anaximandro).
Heráclito de Éfeso, cerca de 500 a.C., como os antigos chineses taoístas, enfatizou a importância do Vir-a-Ser, e imaginou que o fluxo contínuo e perpétuo da mudança ocorria pela reconciliação de opostos. Essa visão tornou-se o cerne da concepção astrológica dos signos positivos e negativos do zodíaco[31]. Para todo o fluxo da vida havia a unidade na diversidade do mundo.
A Filosofia Grega é vista pelos estudiosos europeus como racionalista, mas os próprios gregos reconhecem contribuições da Mesopotâmia e do Egito, além dos mistérios órficos. A Grécia Clássica dos séculos V e IV a.C. (período contemporâneo dos filósofos mencionados anteriormente) provavelmente conhecia e apreciava a Astrologia praticada no Oriente Próximo e no Norte da África.
Homero, Tales, Pitágoras e Platão foram instruídos nos templos egípcios. E por volta do século V a.C., a antiga crença egípcia de que a alma dos mortos se conectava com as estrelas estava bem estabelecida na Grécia[32]. Mas, a influência da Mesopotâmia havia atingido a Grécia antes disso, em meados do século VIII a.C.
Após as invasões da Grécia pelos persas, no primeiro quarto do século V, os contatos culturais entre os dois povos continuaram filtrando as idéias indianas, babilônicas e egípcias. As previsões dos sacerdotes caldeus eram considerados muito precisas[33].
Essas observações expandem as origens da Astrologia Clássica para antes dos Filósofos Gregos, de modo que o seu estudo a partir do período pré-socrático se justifica apenas como um artifício didático, pois teríamos que investigar as origens egípcias e mesopotâmicas da Astrologia Ocidental, para sermos mais exatos e fidedignos.
Isso pode ser feito depois. Assim, avançando no tempo ao invés de retrocedermos, chegamos a Pitágoras de Samos, nascido em 570 a.C., aproximadamente. Especula-se sobre uma possível influência egípcia no seu pensamento, já que ele defendia uma concepção de imortalidade e transmigração (metempsicose) da alma.
Convencido de que os números eram a chave para a compreensão do universo[34], atribuiu valores matemáticos às relações entre os corpos celestes. Seus discípulos – os pitagóricos – combinavam o amor pela matemática com a visão mística do absoluto. Eles desenvolveram e ampliaram a doutrina da recorrência eterna de Anaximandro, ao declararem que tudo voltaria na mesma ordem numérica[35].
Assim, quando todos os planetas retornam a uma posição similar em relação às estrelas fixas, o Grande Ano se completa. Essa idéia é precursora do nosso atual conceito de Retorno ou Revolução (ou seja, o retorno de qualquer planeta para a posição que ele ocupava no zodíaco no momento do nascimento). Porém a concepção clássica dos pitagóricos já era defendida pelos antigos mesopotâmios e egípcios.
Atribui-se, ainda, a Pitágoras a descoberta de que as antigas designadas estrelas da manhã e da tarde são o mesmo planeta, Vênus[36].
A maior contribuição de Pitágoras para a Astrologia é a de que o universo pode ser explicado pelos números. No século XVII, Galileu acreditou que o universo era reduzível a um número e Kepler baseou suas teorias dos movimentos planetários na geometria pitagórica. Na astrologia ocidental, a convenção de o 4 representar a “Casa” é devido ao fato de os pitagóricos considerarem o 4 como o número da estrutura[37].
O pitagórico Filolau de Crotona (470-390 a.C., aproximadamente) conhecia a divisão duodecimal do zodíaco por volta de 430 a.C. A doutrina pitagórica da perfeição universal postulava que as órbitas planetárias se davam em círculos perfeitos, embora Filolau, sem rejeitar a teoria em questão, observou que vistas da Terra, tais órbitas pareciam irregulares. Ele rompeu com a visão geocêntrica da Terra, antes de Copérnico, mas em sua visão astronômica antiga, achava que a Terra, o Sol e os outros planetas giravam ao redor de um “fogo central”. Com isso tentava explicar a irregularidade “aparente” das órbitas planetárias, sendo o primeiro filósofo grego a compreender que a Terra se move no espaço, e a distinguir entre o movimento diurno e anual dos planetas.
Méton, um contemporâneo de Filolau, tentou reformar o calendário em Atenas, por volta de 432 a.C. (século V a.C.), baseado nos modelos babilônicos.
Chegamos, então, no mais influente filósofo pitagórico, Empédocles de Agrigento, na Sicília (495-430 a.C.). Sua principal contribuição foi popularizar a doutrina dos 4 elementos – fogo, terra, ar e água – tão cara à Astrologia Antiga e Moderna, bem como à medicina antiga e medieval.
Vimos que os filósofos gregos pré-socráticos argumentavam que o universo físico era formado por um elemento fundamental: Tales, declarou que esse elemento era a água, Anaximandro o apeiron, Anaxímenes o ar, Heráclito o fogo, e Xenófanes a Terra.
Empédocles, contudo, defendeu que todas as coisas, incluindo os seres humanos, eram compostos por combinações dos 4 elementos. Fogo, terra, ar e água estariam em um estado permanente de fluxo, combinando-se entre si de modos diferentes para montar a vasta diversidade do universo[38].
Os astrólogos, então, assumiram a teoria dos 4 elementos de Empédocles e os associaram aos signos do zodíaco e às Casas Astrológicas.
Na medicina Antiga, o conceito dos 4 elementos foi resgatado por Hipócrates (nascido em 460 a.C.), que os associou aos 4 “humores” ou condições do corpo, cujo desequilíbrio entre eles resultava em vários tipos de doenças. Como esses humores são, na verdade, tipos de “temperamentos” de personalidades, essa teoria pode ser a base distante do que hoje conhecemos como abordagem psicossomática.
Os quatro humores ou “temperamentos” como fluidos corporais foram associados, especialmente na Idade Média, a determinados tipos psicológicos:

1) Sangüíneo – preponderância de sangue e associado ao ar;
2) Fleumático – fleuma/água;
3) Colérico – amarelo/fogo;
4) Melancólico – bílis negra/terra.
Hipócrates lançou, com essa teoria, as bases da Astrologia Médica, conhecida pelos gregos de iatromathematica. Hipócrates antecipou a chamada homeopatia e a “medicina holística”.

(CONTINUA...)

NOTAS

[1] Como veremos, esse caminho de investigação deve aproximar o diálogo entre Filosofia, Astrologia e Psicologia, dentro de uma noção comum que poderia ser denominada Hermenêutica Filosófica.
[2] Jenny Teichman, Filosofia: um guia para iniciantes, p. 11.
[3] Alexandre Caballero foi ex-professor titular de Filosofia Geral e da Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
[4] Alexandre CABALLERO, A Filosofia através dos textos, p. 18.
[5] Ontologia é a ciência que estuda a natureza do “ser” enquanto ser, considerado em si mesmo, independente da matéria e da especulação da essência. É a parte da metafísica que trata dos entes em geral.
[6] Alexandre CABALLERO, A Filosofia através dos textos, p. 18.
[7] Ibid., p.18.
[8] A despeito dessa concepção de ciência parecer genérica demais, é nesse sentido que a Astrologia também pode começar a ser considerada como uma ciência.
[9] Alexandre CABALLERO, A Filosofia através dos textos, p. 18.
[10] Jenny Teichman, Filosofia: um guia para iniciantes, p. 11,12.
[11] Paulo DUBOC, passim
[12] Marilha Maneschy Suzuki, Astrologia no Brasil, p. 123.
[13] Ibid. p. 124.
[14] Elizabeth TEISSIER, O Significado da Astrologia, p. 246.
[15] Ibid., p. 246.
[16] Marilena CHAUÍ, Convite à Filosofia, p.17.
[17] Provavelmente, dessa orientação intelectiva aplicada funcionalmente na vida prática, que podemos contextualizar o surgimento da Psicologia, enquanto projeto científico. A Psicologia, sinteticamente, nesse sentido, é uma aplicação utilitária bem-sucedida, da atitude filosófica, sobre o comportamento humano. Por isso também, seus paradigmas epistemológicos guardam relações de simpatias mútuas.
[18] Marilena CHAUÍ, Convite à Filosofia, p. 17.
[19] Stephen LAW, Filosofia: Guia Ilustrado Zahar, p. 51.
[20] Cf. Roberto de Andrade Martins, A influência de Aristóteles na obra astrológica de Ptolomeu (o “Tetrabiblos”). Trans/Form/Ação 18: 51-57, 1995
[21] Esse paradoxo torna-se inteligível se compreendermos que (1) não há como se definir sem que se tenha alguma compreensão dada de definição do mesmo modo que, (2) não há como responder adequadamente a uma pergunta, se não partimos de uma compreensão dada de pergunta e resposta.
[22] Cf. Roberto de Andrade Martins, passim.
[23] Alexandre CABALLERO, A Filosofia através dos textos, p.18.
[24] Peter MARSHALL, A Astrologia no Mundo, p. 262.
[25] Aqui, o termo “natureza” não era entendido no seu sentido corriqueiro, mas sim como “realidade primeira, originária e fundamental” ou “o que é primário, fundamental e persistente” em oposição ao que é “secundário, derivado e transitório”.
[26] Danilo Marcondes, Iniciação à História da Filosofia, p.31.
[27] Peter MARSHALL, A Astrologia no Mundo, p. 263.
[28] Stephen LAW, Filosofia: Guia Ilustrado Zahar, p.239.
[29] Peter Marshall, Astrologia no Mundo, p 263.
[30] Stephen LAW, Filosofia: Guia Ilustrado Zahar, p. 232.
[31] Peter Marshall, Astrologia no Mundo, p. 262-264.
[32] Ibid., p. 261.
[33] Ibid., p. 262.
[34] Para Pitágoras, diferentemente das verdades sobre o mundo físico, as verdades matemáticas são eternas. Embora a matemática tenha aplicações empíricas, o raciocínio matemático (e dedutivo) preciso lida com um mundo superior de objetos supra-sensíveis.
[35] Peter Marshall, Astrologia no Mundo, p. 265.
[36] Stephen LAW, Filosofia: Guia Ilustrado Zahar, p. 234.
[37] Peter Marshall, Astrologia no Mundo, p. 265.
[38] Ibid., p. 266.

Referências Bibliográficas

MARSHALL, Peter. A Astrologia no Mundo: uma visão histórica para entender melhor a personalidade humana. Rio de Janeiro: Nova Era, 2006.

CABALLERO, Alexandre. A Filosofia através dos textos. São Paulo: Editora Cultrix, s/d.

TEICHMAN, Jenny e EVANS, Katherine C. Filosofia - Um guia para iniciantes. São Paulo: Madras, 2009.

LAW, Stephen. Filosofia: Guia Ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. (revisão técnica: Danilo Marcondes)

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

DUBOC, Paulo. Astrologia Dinâmica: ângulos e aspectos. Rio de Janeiro: Nova Era, 1998.

Nenhum comentário:

Postar um comentário